Conhecendo
os dois livros de Samuel – Lição 01
Unção de David por Samuel, de Antonio González Velázquez
(Real Academia de Bellas Artes de San Fernando.
Anarquia: do grego anarkhía, Negação de qualquer princípio de autoridade. Estado de um
povo em que o poder governamental, de onde emana o equilíbrio da estrutura
política, social e econômica, de fato ou virtualmente, desapareceu. De modo
geral, ausência de governo, de liderança; desordem por ausência de autoridade
reguladora; desregramento, desorganização; 5 Ausência de direção ou normas
reguladoras (em empresas, organizações, entidades etc.). Estado de confusão e
desordem. (Michaelis)
O
cenário da vida sociopolítica e religiosa do povo de Israel à época dos Juízes (governadores)
foi um ponto baixo na história de Israel (Chisholm Jr.), beirando a anarquia.
Os juízes eram líderes tanto militares como judiciais, agindo em emergências, e
limitados em suas fronteiras geográficas e pela natureza de seus cargos, visto
não nomearem seus sucessores (Baldwin).
Após
a morte de Josué e com as tribos se acomodando no território de Canaã, as
tribos formaram uma confederação informal, distantes umas das outras, sem
exércitos fixos para defender seus territórios, onde os Juízes eram as
lideranças do povo, que surgiam esporadicamente levantados diretamente por Deus
a fim resolver as questões políticas e religiosas. Uma teocracia que dependia
da fidelidade e obediência a Deus. Essa
falta de liderança humana é afirmada no próprio livro de Juízes, lamentando a
ausência de rei em Israel (Juízes
18:1;19:1). O resultado é um estado de anarquia onde cada um fazia o que
queria: Naqueles dias não havia rei em Israel; porém cada um fazia o que
parecia reto aos seus olhos. Juízes 17:6; 21:25.
Os
fatos que ocorreram nesse período confirmavam o povo de Deus chegou ao fundo do
poço em termos éticos, morais e
espirituais, fruto de seus pecados: violência, sequestros, estupros coletivos,
massacres de tribos e cidades inteiras, guerra civil, idolatria Chisholm Jr.).
Tudo isso corroborava para que os inimigos da nova terra fossem de encontro às
tribos e os derrotassem em algumas ocasiões. Israel vivia um ciclo de altos e
baixos onde a lei de Moisés era ignorada e assim marcado por apostasia,
opressão, aflição, arrependimento, libertação, paz, prosperidade. Depois o povo
se esquecia de Deus e o ciclo se retomava.
Neste
cenário surge a figura de Samuel. Segundo Warren Wiersbe, “Samuel foi usado num
momento crítico da história de Israel, quando a frágil confederação de tribos
precisava desesperadamente de orientação.”
O fundamental nesta narrativa é a comprovação de que Deus está no
controle da História (Wiersbe; Purkiser). Os israelitas estudavam a
história porque tinham em vista
compreender a natureza da relação de Deus com o seu povo. (Philbeck). A saga do
povo hebreu está registrada nos livros da Torá (Lei), os Profetas e os
Escritos). Os profetas eram divididos em Anteriores e Posteriores. Os livros de
I e 2 Samuel estavam inclusos nos profetas anteriores, na Bíblia Hebraica
(Chisholm Jr.).
Em 1 e 2 Samuel se acha a narrativa dos feitos
do profeta, juiz e sacerdote, Samuel; Saul, que veio a ser o primeiro rei de
Israel; e Davi, o maior e mais querido de
todos que já reinaram em Israel (Baldwin), sob a orientação de Deus,
estão registrados nos livros de I e II Samuel. Tais “livros duplos” compunham
nas Escrituras hebraicas apenas um livro, no bloco dos chamados profetas
anteriores, junto aos livros de Josué, Juízes e Reis. Com a tradução do AT para
o grego, estes livros foram apelidados de I e 2 Reis e os Reis atuais, de 3 e 4
livros dos Reis, chamados os quatro livros dos reinos (Baldwin), sendo alterado
mais tarde para 1 e 2 Samuel.
Estes
livros descrevem o desenvolvimento de Israel sob a liderança de Samuel, Saul e
Davi, em um período de cerca de cem anos (Philbeck), considerados personagens
essenciais na transição da teocracia para a monarquia em Israel (Baldwin). Ao
que tudo indica, o público-alvo destes textos seriam os israelitas exilados que
enfrentavam as consequências dos seus atos e de seus antepassados, contudo
podem encontrar esperanças de que o Senhor é justo e de que, ao final, cumprirá
suas promessas de acordo com a aliança celebrada com Davi (Chisholm Jr.).
Os
estudiosos e a tradição rabínica consideram Samuel como autor do livro devido
as próprias evidências internas. Já os fatos narrados no livro ocorridos após a
morte de Samuel, descrito em I Samuel 25.1, são atribuídos aos profetas Natã e
Gade, seguidores de Samuel. (Purkiser) Este material foi compilado mais tarde
por pessoas que conscientemente lidavam com ele e tinham acesso a estes
documentos e registros, a partir de um corpo bem maior de tradições antigas a
respeito dos personagens principais Samuel, Saul e Davi. (Philbeck).
Samuel
se tornaria um avivalista e reformador de sua época. Criado e formado junto ao
sacerdote Eli, em Siló, onde foi fixado o tabernáculo como lugar de adoração,
Deus levanta aquele homem como profeta, o primeiro de uma nova ordem de
profetas após Moisés (Purkiser), fundando inclusive uma escola de profetas em
sua época. Deus confirmava seu ministério profético não deixando que nenhuma de
todas as suas palavras cair em terra (1 Sm 3.19). Além de ser Samuel sacerdote
e o último dos juízes de Israel (Purkiser), segundo o estilo tríplice de Moisés
(Baldwin).
Ele
foi incumbido inicialmente de promover reformas religiosas em meio ao povo, que
andava segundo o seu próprio querer, sem uma liderança temente a Deus, sob a
influência do mau exemplo que viam no sacerdócio corrompido dos filhos do Eli,
Ofni e Finéias, sob a atitude passiva do pai. Mais tarde o mau exemplo dos
filhos sucessores do próprio Samuel, Joel e Abias, os quais estabeleceu em
Berseba para que julgassem o povo. Segundo Flávio Josefo, “em vez de seguir os passos do pai, se
corromperam, vendiam a justiça, calcavam com os pés as coisas mais santa e
chafurdavam-se em toda a sorte de impurezas, sem temor de ofender a Deus ou
mesmo desagradar ao seu pai.”.
Seus
atos provocaram reclamações dos anciãos ao profeta já idoso (1 Sm 8:1-5), bem
como corroboraram no apelo do povo observando os vícios e desregramentos dos
seus dois filhos, pedindo ardentemente por um líder no posto de rei, a fim de
governá-los e assim vingar as injúrias sofridas dos filisteus (Josefo).
No
cenário político as tribos de Israel se deparavam com os inimigos vizinhos,
sobretudo os filisteus. Estes estavam distribuídos em cinco territórios em
Canaã compondo uma aristocracia militar originária de Creta. Dominavam a
tecnologia do ferro e com seu profissionalismo militar travaram sucessivas
guerras contra o povo de Deus neste período (Baldwin).
No
cenário religioso, por se tornarem agricultores, os israelitas estavam sujeitos
aos deuses da fertilidade como Baal e dagon. Segundo Philbeck, dois fatores
teológicos também foram de grande relevância nesta época: Os avanços militares
dos filisteus que levariam o povo a crer que Deus era impotente para proteger
seu povo contra a força dos deuses os vizinhos. E que o sistema tribal estaria
falido, sendo então necessário estar sob o comando de um Rei, como as demais
nações. Mas o problema de Israel não estava no sistema de governo tribal, mas
sim nas falhas do próprio povo em ser fiel ao seu Senhor, o verdadeiro cabeça
do governo de Israel. E também a busca de cada tribo de seus próprios
interesses, abandonado o sentido de unidade (Broadman)
O
ponto crítico inicial ocorre quando Ofni e Fineias levam a arca do tabernáculo
até o campo de guerra contra os filisteus como um amuleto místico, a fim de
tentar garantir a vitória do exército de Israel na guerra. O povo rompeu em
brados de vitória, gritos de guerra no campo de batalha não conduzem à vitória
sem a presença do Senhor dos Exércitos. (! Sm. 4.5-11) Mas gritos e brados não
ganham batalhas. A simples presença da arca não garante a presença de Deus. O
resultado foi a morte trágica de 30.000 homens e, o mais grave, foi tomada a
arca de Deus (Wiersbe). A arca nunca fora retirada do santuário e era vista
apenas pelo sumo sacerdote uma vez ao ano. Agora estava exposta, tomada pelos
inimigos pagãos. Desolação total. Mas o nome do Deus de Israel não poderia ser
ultrajado ante os inimigos. A presença da arca nas cidades dos filisteus só lhe
provocaram desastres e pragas dentre o povo que, desesperado, pediam que se
livrassem dela. Assim colocaram a arca em carro de bois e a arca volta para os
israelitas, que a deixam em Quiriate-Jearim. (1 Sm. 5 e 6)
Vinte
anos após o resgate da arca, a nova geração de israelitas, agora revoltados,
confrontam Samuel pedindo um rei, à semelhança das nações vizinhas. Segundo
Baldwin, “ Israel sentia a necessidade de um líder que unisse as tribos,
tivesse um exército fixo e eficiente e estivesse à altura daqueles que
conduziam seus inimigos à vitória.”
A princípio Samuel resiste a ideia. Como homem
de Deus, em oração vai apresentar ao Senhor a sua angústia, sentindo a rejeição
do povo. O Senhor o consola afirmando que o povo não estava rejeitando a
Samuel, mas ao próprio Deus. Mesmo assim Deus permite o estabelecimento da
monarquia. Pois o interesse de Deus era guiar o seu povo em um período difícil
da História não importando o sistema de governo empregado, embora apontado
virtudes e limitações de cada um e preservando os seus valores (Purkiser).
Essa
foi o principal desígnio de Deus para a vida de Samuel, ser o agente de
transição da anarquia dos juízes para o estabelecimento de uma monarquia
teocrática. Samuel conduziu o povo novamente ao arrependimento, e Deus o usa
para levantar o primeiro Rei de Israel, Saul e seus fracassos, sendo rejeitado
pelo Senhor por suas próprias atitudes;,depois Deus levanta um homem segundo o
seu coração, o jovem Davi, com o qual estabelece uma aliança eterna. Um dos
temas centrais de I e 2 Samuel é justamente o direito divino que Davi recebe,
apesar de suas imperfeições, de reinar sobre Israel (Chisholm Jr.), tornando-se
o maior e mais querido de todos eles ao longo da história.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BALDWIN, Joyce G. I e II Samuel –
introdução e comentário – Série Cultura Bíblica. São Paulo: Edições Vida Nova, 1996
JOSEFO, Flávio. História dos
Hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2000;
PHILBECK Jr, Ben. Comentário
Bíblico Broadman – Volume 3. Rio de Janeiro: JUERP, 1986;
PURKISER, W. T. Comentário Bíblico
Beacon – Volume 2. Rio de Janeiro: CPAD, 2012;
CHISHOLM Jr,, Robert B. Samuel 1 e
2 - Série comentário expositivo. São Paulo: Edições Vida Nova, 2017
Foto: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Unci%C3%B3n_de_David_por_Samuel,_de_Antonio_Gonz%C3%A1lez_Vel%C3%A1zquez_(Real_Academia_de_Bellas_Artes_de_San_Fernando).JPG
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