Crescendo na graça e no conhecimento

4 de outubro de 2019


Conhecendo os dois livros de Samuel – Lição 01



 

Unção de David por Samuel, de Antonio González Velázquez 
(Real Academia de Bellas Artes de San Fernando.


Anarquia: do grego anarkhía, Negação de qualquer princípio de autoridade. Estado de um povo em que o poder governamental, de onde emana o equilíbrio da estrutura política, social e econômica, de fato ou virtualmente, desapareceu. De modo geral, ausência de governo, de liderança; desordem por ausência de autoridade reguladora; desregramento, desorganização; 5 Ausência de direção ou normas reguladoras (em empresas, organizações, entidades etc.). Estado de confusão e desordem. (Michaelis)


O cenário da vida sociopolítica e religiosa do povo de Israel à época dos Juízes (governadores) foi um ponto baixo na história de Israel (Chisholm Jr.), beirando a anarquia. Os juízes eram líderes tanto militares como judiciais, agindo em emergências, e limitados em suas fronteiras geográficas e pela natureza de seus cargos, visto não nomearem seus sucessores (Baldwin).


Após a morte de Josué e com as tribos se acomodando no território de Canaã, as tribos formaram uma confederação informal, distantes umas das outras, sem exércitos fixos para defender seus territórios, onde os Juízes eram as lideranças do povo, que surgiam esporadicamente levantados diretamente por Deus a fim resolver as questões políticas e religiosas. Uma teocracia que dependia da fidelidade e obediência a Deus.  Essa falta de liderança humana é afirmada no próprio livro de Juízes, lamentando a ausência de rei em Israel  (Juízes 18:1;19:1). O resultado é um estado de anarquia onde cada um fazia o que queria: Naqueles dias não havia rei em Israel; porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos. Juízes 17:6; 21:25.


Os fatos que ocorreram nesse período confirmavam o povo de Deus chegou ao fundo do poço em termos  éticos, morais e espirituais, fruto de seus pecados: violência, sequestros, estupros coletivos, massacres de tribos e cidades inteiras, guerra civil, idolatria Chisholm Jr.). Tudo isso corroborava para que os inimigos da nova terra fossem de encontro às tribos e os derrotassem em algumas ocasiões. Israel vivia um ciclo de altos e baixos onde a lei de Moisés era ignorada e assim marcado por apostasia, opressão, aflição, arrependimento, libertação, paz, prosperidade. Depois o povo se esquecia de Deus e o ciclo se retomava.


Neste cenário surge a figura de Samuel. Segundo Warren Wiersbe, “Samuel foi usado num momento crítico da história de Israel, quando a frágil confederação de tribos precisava desesperadamente de orientação.”  O fundamental nesta narrativa é a comprovação de que Deus está no controle da História (Wiersbe; Purkiser). Os israelitas estudavam a história  porque tinham em vista compreender a natureza da relação de Deus com o seu povo. (Philbeck). A saga do povo hebreu está registrada nos livros da Torá (Lei), os Profetas e os Escritos). Os profetas eram divididos em Anteriores e Posteriores. Os livros de I e 2 Samuel estavam inclusos nos profetas anteriores, na Bíblia Hebraica (Chisholm Jr.).


Em 1 e 2 Samuel se acha a narrativa dos feitos do profeta, juiz e sacerdote, Samuel; Saul, que veio a ser o primeiro rei de Israel; e Davi, o maior e mais querido de  todos que já reinaram em Israel (Baldwin), sob a orientação de Deus, estão registrados nos livros de I e II Samuel. Tais “livros duplos” compunham nas Escrituras hebraicas apenas um livro, no bloco dos chamados profetas anteriores, junto aos livros de Josué, Juízes e Reis. Com a tradução do AT para o grego, estes livros foram apelidados de I e 2 Reis e os Reis atuais, de 3 e 4 livros dos Reis, chamados os quatro livros dos reinos (Baldwin), sendo alterado mais tarde para 1 e 2 Samuel.


Estes livros descrevem o desenvolvimento de Israel sob a liderança de Samuel, Saul e Davi, em um período de cerca de cem anos (Philbeck), considerados personagens essenciais na transição da teocracia para a monarquia em Israel (Baldwin). Ao que tudo indica, o público-alvo destes textos seriam os israelitas exilados que enfrentavam as consequências dos seus atos e de seus antepassados, contudo podem encontrar esperanças de que o Senhor é justo e de que, ao final, cumprirá suas promessas de acordo com a aliança celebrada com Davi (Chisholm Jr.).


Os estudiosos e a tradição rabínica consideram Samuel como autor do livro devido as próprias evidências internas. Já os fatos narrados no livro ocorridos após a morte de Samuel, descrito em I Samuel 25.1, são atribuídos aos profetas Natã e Gade, seguidores de Samuel. (Purkiser) Este material foi compilado mais tarde por pessoas que conscientemente lidavam com ele e tinham acesso a estes documentos e registros, a partir de um corpo bem maior de tradições antigas a respeito dos personagens principais Samuel, Saul e Davi. (Philbeck).


Samuel se tornaria um avivalista e reformador de sua época. Criado e formado junto ao sacerdote Eli, em Siló, onde foi fixado o tabernáculo como lugar de adoração, Deus levanta aquele homem como profeta, o primeiro de uma nova ordem de profetas após Moisés (Purkiser), fundando inclusive uma escola de profetas em sua época. Deus confirmava seu ministério profético não deixando que nenhuma de todas as suas palavras cair em terra (1 Sm 3.19). Além de ser Samuel sacerdote e o último dos juízes de Israel (Purkiser), segundo o estilo tríplice de Moisés (Baldwin).


Ele foi incumbido inicialmente de promover reformas religiosas em meio ao povo, que andava segundo o seu próprio querer, sem uma liderança temente a Deus, sob a influência do mau exemplo que viam no sacerdócio corrompido dos filhos do Eli, Ofni e Finéias, sob a atitude passiva do pai. Mais tarde o mau exemplo dos filhos sucessores do próprio Samuel, Joel e Abias, os quais estabeleceu em Berseba para que julgassem o povo. Segundo Flávio Josefo,  “em vez de seguir os passos do pai, se corromperam, vendiam a justiça, calcavam com os pés as coisas mais santa e chafurdavam-se em toda a sorte de impurezas, sem temor de ofender a Deus ou mesmo desagradar ao seu pai.”.


Seus atos provocaram reclamações dos anciãos ao profeta já idoso (1 Sm 8:1-5), bem como corroboraram no apelo do povo observando os vícios e desregramentos dos seus dois filhos, pedindo ardentemente por um líder no posto de rei, a fim de governá-los e assim vingar as injúrias sofridas dos filisteus (Josefo).


No cenário político as tribos de Israel se deparavam com os inimigos vizinhos, sobretudo os filisteus. Estes estavam distribuídos em cinco territórios em Canaã compondo uma aristocracia militar originária de Creta. Dominavam a tecnologia do ferro e com seu profissionalismo militar travaram sucessivas guerras contra o povo de Deus neste período (Baldwin).


No cenário religioso, por se tornarem agricultores, os israelitas estavam sujeitos aos deuses da fertilidade como Baal e dagon. Segundo Philbeck, dois fatores teológicos também foram de grande relevância nesta época: Os avanços militares dos filisteus que levariam o povo a crer que Deus era impotente para proteger seu povo contra a força dos deuses os vizinhos. E que o sistema tribal estaria falido, sendo então necessário estar sob o comando de um Rei, como as demais nações. Mas o problema de Israel não estava no sistema de governo tribal, mas sim nas falhas do próprio povo em ser fiel ao seu Senhor, o verdadeiro cabeça do governo de Israel. E também a busca de cada tribo de seus próprios interesses, abandonado o sentido de unidade (Broadman)


O ponto crítico inicial ocorre quando Ofni e Fineias levam a arca do tabernáculo até o campo de guerra contra os filisteus como um amuleto místico, a fim de tentar garantir a vitória do exército de Israel na guerra. O povo rompeu em brados de vitória, gritos de guerra no campo de batalha não conduzem à vitória sem a presença do Senhor dos Exércitos. (! Sm. 4.5-11) Mas gritos e brados não ganham batalhas. A simples presença da arca não garante a presença de Deus. O resultado foi a morte trágica de 30.000 homens e, o mais grave, foi tomada a arca de Deus (Wiersbe). A arca nunca fora retirada do santuário e era vista apenas pelo sumo sacerdote uma vez ao ano. Agora estava exposta, tomada pelos inimigos pagãos. Desolação total. Mas o nome do Deus de Israel não poderia ser ultrajado ante os inimigos. A presença da arca nas cidades dos filisteus só lhe provocaram desastres e pragas dentre o povo que, desesperado, pediam que se livrassem dela. Assim colocaram a arca em carro de bois e a arca volta para os israelitas, que a deixam em Quiriate-Jearim. (1 Sm. 5 e 6)


Vinte anos após o resgate da arca, a nova geração de israelitas, agora revoltados, confrontam Samuel pedindo um rei, à semelhança das nações vizinhas. Segundo Baldwin, “ Israel sentia a necessidade de um líder que unisse as tribos, tivesse um exército fixo e eficiente e estivesse à altura daqueles que conduziam seus inimigos à vitória.”


A princípio Samuel resiste a ideia. Como homem de Deus, em oração vai apresentar ao Senhor a sua angústia, sentindo a rejeição do povo. O Senhor o consola afirmando que o povo não estava rejeitando a Samuel, mas ao próprio Deus. Mesmo assim Deus permite o estabelecimento da monarquia. Pois o interesse de Deus era guiar o seu povo em um período difícil da História não importando o sistema de governo empregado, embora apontado virtudes e limitações de cada um e preservando os seus valores (Purkiser).


Essa foi o principal desígnio de Deus para a vida de Samuel, ser o agente de transição da anarquia dos juízes para o estabelecimento de uma monarquia teocrática. Samuel conduziu o povo novamente ao arrependimento, e Deus o usa para levantar o primeiro Rei de Israel, Saul e seus fracassos, sendo rejeitado pelo Senhor por suas próprias atitudes;,depois Deus levanta um homem segundo o seu coração, o jovem Davi, com o qual estabelece uma aliança eterna. Um dos temas centrais de I e 2 Samuel é justamente o direito divino que Davi recebe, apesar de suas imperfeições, de reinar sobre Israel (Chisholm Jr.), tornando-se o maior e mais querido de todos eles ao longo da história.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


BALDWIN, Joyce G. I e II Samuel – introdução e comentário – Série Cultura Bíblica. São Paulo: Edições Vida Nova, 1996

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2000;

PHILBECK Jr, Ben. Comentário Bíblico Broadman – Volume 3. Rio de Janeiro: JUERP, 1986;

PURKISER, W. T. Comentário Bíblico Beacon – Volume 2. Rio de Janeiro: CPAD, 2012; 

MICHAELIS:   Moderno   dicionário   da   língua   portuguesa.   São   Paulo: Companhia Melhoramentos, 2019. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/busca?id=3x4L . Acesso em 03 de outubro de 2019.

CHISHOLM Jr,, Robert B. Samuel 1 e 2 - Série comentário expositivo. São Paulo: Edições Vida Nova, 2017

Foto: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Unci%C3%B3n_de_David_por_Samuel,_de_Antonio_Gonz%C3%A1lez_Vel%C3%A1zquez_(Real_Academia_de_Bellas_Artes_de_San_Fernando).JPG


Nenhum comentário:

Lições 4.o Trimestre 2013

Lições 4.o Trimestre 2013
Conselhos para a vida

Lição 1 - O Valor dos Bons Conselhos
Lição 2 - Advertências Contra o Adultério
Lição 3 - Trabalho e Prosperidade
Lição 4 - Lidando de Forma Correta com o Dinheiro
Lição 5 - O Cuidado com Aquilo que Falamos
Lição 6 - O Exemplo Pessoal na Educação dos Filhos
Lição 7 - Contrapondo a Arrogância Com a Humildade
Lição 8 - A Mulher Virtuosa
Lição 9 - O Tempo para Todas as Coisas
Lição 10 - Cumprindo as Obrigações Diante de Deus
Lição 11 - A Ilusória Prosperidade dos Ímpios
Lição 12 - Lança o teu Pão Sobre as Águas
Lição 13 - Tema a Deus em todo o Tempo

Comentarista:

José Gonçalves - Pastor, Professor de Teologia, Escritor e Vice-presidente da Comissão deApologética da CGADB; Comentarista das revistas de Escola Dominical da CPAD.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Entre em contato conosco


Se copiar algum texto, favor citar a fonte com o nome do autor e o link deste blog.