Neste último final de semana aconteceu uma tragédia em uma
das provas de um campeonato de automobilismo dos mais populares nos Estados
Unidos. Um grave acidente que levou à morte um de seus pilotos. Acidentes que
não são raros neste tipo de prova. O ploto brasileiro Nelson Piquet sofreu em
1992 um grave acidente semelhante à este último, causando-lhe graves ferimentos
em um treino que lhe deixaram sequelas por muito tempo.
Sem querer entrar no mérito das razões de tantos
casos de acidentes, gostaria de refletir a respeito do porquê da curiosidade do
ser humano por acidentes, quedas, embates, mortes.
No livro autobiográfico Confissões (Livro VI, Capítulo VIII), Agostinho, o bispo
de Hipona, narrou o episódio da
atração de um amigo, Alípio, pelos jogos de gladiadores no Anfiteatro romano:
“A princípio, detestava e aborrecia espetáculos semelhantes.
Certa vez, encontrando-se com alguns amigos e condiscípulos que voltavam de um jantar,
apesar de resistir, foi arrastado por eles com amigável violência para o
anfiteatro, onde naquele dia se celebravam jogos funestos e cruéis.”
Alípio lhes resistia, dizendo:
“Mesmo que arrasteis
para lá meu corpo, e o retenhais ali, podereis por acaso obrigar minha alma e
meus olhos a contemplar tais espetáculos? Estarei ali como ausente, e assim triunfarei deles e de vós”.
Mas conseguiram levá-lo uma certa ocasião ao lugar que “já fervia nas paixões mais selvagens.”
Segundo Agostinho, Alípio, ao chegar, a princípio fechou os
olhos, proibiu não ver tamanhas crueldades. Porém ao ouvir o grnade clamor da
multidão em determinado lance da luta, arregalou os lhos para enxergar a cena,
movido pela curiosidade.
Acredito que alimentando a concupiscência dos olhos de que
trata o apóstolo João em uma de suas cartas. I João 2.16. Aquele olhar lhe foi
fatal:
“Foi logo ferido na
alma mais profundamente do que a ferida física do gladiador a quem desejou
contemplar e caiu. Sua queda foi mais miserável que a do gladiador, causa de
tantos gritos. Estes, entrando-lhe pelos ouvidos, abriram-lhe os olhos, para
ferir e abater sua alma, mais temerária do que forte, e tanto mais fraca por
apoiar-se em si mesma, em lugar de se apoiar em ti. Logo que viu sangue, bebeu
junto a
crueldade, e não se afastou do espetáculo; pelo contrário,
prestou mais atenção. Assim, sem o saber, absorvia o furor popular e se deleitava naquela luta
criminosa, inebriado de sangrento prazer.Já não era o mesmo que ali viera, era agora mais um
da turba à qual se misturara, digno companheiro daqueles que para ali o arrastaram.”
Em Agostinho não havia mais palavras para descrever tamanha
queda do amigo ao ceder à curiosidade mórbida de Alípio senão relatar as
armadilhas que acorrentaram o amigo a partir de então para continuamente assistir
os jogos por muito tempo, até que chegou à conversão:
“Contemplou o espetáculo, gritou, apaixonou-se, e foi
contaminado de louco ardor, que o estimulava a voltar, não só com os que o
haviam levado, mas à sua frente, e arrastando a outros. Mas tu te dignaste,
Senhor, livrá-lo deste estado com mão forte e misericordiosa, ensinando-o a não
confiar em si, mas em ti, embora isto acontecesse muito tempo depois.”
Este exemplo claro, de séculos passados, é bem atual. Porque a natureza humana inclinada ao pecado continua a mesma. Somos uma
Sociedade do Espetáculo conforme lembra o filósofo alemão Christoph Türcke, que
traçou em sua obra Sociedade Excitada uma linha de raciocínio para apontar a
sociedade hodierna como a “Sociedade da
Sensação”, alimentada pela “tendência de espetacularização”, reforçada pelo que
se veicula na mídia, principalmente as
tragédias.
“As sensações estão a ponto de se tornar as marcas de
orientação e as batidas do puso da vida social como um todo.” (Türcke, 2010,
p.14)
Mas este fato não é novo, ao se restringe a constatação
atual do filósofo moderno, nem do antigo Agostinho, mas remonta aos tempos do
Jardim do Éden. Isso mesmo.
Eva ouviu do Senhor Deus para não comer do fruto da árvore
do bem do e do mal.
A astuta serpente porém resolveu então atrair a Eva
alimentando-lhe a conpuscência dos olhos:
“Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do
campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus
disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do
fruto das árvores do jardim comeremos, Mas do fruto da árvore que está no meio
do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não
morrais. Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus
sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como
Deus, sabendo o bem e o mal.” Gênesis 3:1-6
A partir de então parece que se tornou mais importante ver que
ouvir. Dizem até que “uma imagem vale mais do que mil palavras.”
No entanto afirmo que a Palavra de Deus vale muito mais do
mil imagens.
Eva não deu crédito à Palavra, a orientação de Deus e
assim se deixou levar pelo que viu:
“E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e
agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu
fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então foram
abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de
figueira, e fizeram para si aventais.” Gênesis 3:6-8
O segredo do resistir à tentação, acredito, está em agir como Alípio antes
de ceder à tentação: fazer um pacto com o olhar, a exemplo de Jó:
“Fiz aliança com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa
virgem?” Jó 2.17.
Ou como o Salmista Davi, ele mesmo que sofreu uma terrível experiência
de queda moral por conta de um simples olhar a partir da sacada do palácio real
(2 Samuel 11.1-5):
"Não porei coisa má diante dos meus olhos. Odeio a obra
daqueles que se desviam; não se me pegará a mim." Salmo 101.3.
Dando ouvidos à palavra do Senhor. Priorizando o ouvir a Deus ao invés de olhar as vitrines do mundo sedutor.
Referências Bibliográficas:
AGOSTINHO, Santo. Confissões.
Tradução de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. 10ª edição, Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 1990.
TÜRCKE, Cristoph. Sociedade excitada: filosofia da sensação. Tradução Antonio Zuin e outros. 1a edição. São Paulo: Editora Unicamp, 2010.
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