Crescendo na graça e no conhecimento

18 de outubro de 2011

O Perigo do Olhar

Neste último final de semana aconteceu uma tragédia em uma das provas de um campeonato de automobilismo dos mais populares nos Estados Unidos. Um grave acidente que levou à morte um de seus pilotos. Acidentes que não são raros neste tipo de prova. O ploto brasileiro Nelson Piquet sofreu em 1992 um grave acidente semelhante à este último, causando-lhe graves ferimentos em um treino que lhe deixaram sequelas por muito tempo.


Sem querer entrar no mérito das razões de tantos casos de acidentes, gostaria de refletir a respeito do porquê da curiosidade do ser humano por acidentes, quedas, embates, mortes.

No livro autobiográfico Confissões (Livro VI, Capítulo VIII), Agostinho, o bispo de Hipona, narrou o episódio da atração de um amigo, Alípio, pelos jogos de gladiadores no Anfiteatro romano:

“A princípio, detestava e aborrecia espetáculos semelhantes. Certa vez, encontrando-se com alguns amigos e condiscípulos que voltavam de um jantar, apesar de resistir, foi arrastado por eles com amigável violência para o anfiteatro, onde naquele dia se celebravam jogos funestos e cruéis.”

Alípio lhes resistia, dizendo:

“Mesmo que arrasteis para lá meu corpo, e o retenhais ali, podereis por acaso obrigar minha alma e meus olhos a contemplar tais espetáculos? Estarei ali como ausente, e assim triunfarei deles e de vós”.

Mas conseguiram levá-lo uma certa ocasião ao lugar que  “já fervia nas paixões mais selvagens.”

Segundo Agostinho, Alípio, ao chegar, a princípio fechou os olhos, proibiu não ver tamanhas crueldades. Porém ao ouvir o grnade clamor da multidão em determinado lance da luta, arregalou os lhos para enxergar a cena, movido pela curiosidade.
Acredito que alimentando a concupiscência dos olhos de que trata o apóstolo João em uma de suas cartas. I João 2.16. Aquele olhar lhe foi fatal:
  
 “Foi logo ferido na alma mais profundamente do que a ferida física do gladiador a quem desejou contemplar e caiu. Sua queda foi mais miserável que a do gladiador, causa de tantos gritos. Estes, entrando-lhe pelos ouvidos, abriram-lhe os olhos, para ferir e abater sua alma, mais temerária do que forte, e tanto mais fraca por apoiar-se em si mesma, em lugar de se apoiar em ti. Logo que viu sangue, bebeu junto a
crueldade, e não se afastou do espetáculo; pelo contrário, prestou mais atenção. Assim, sem o saber, absorvia o furor popular e se deleitava naquela luta criminosa, inebriado de sangrento prazer.Já não era o mesmo que ali viera, era agora mais um da turba à qual se misturara, digno companheiro daqueles que para ali o arrastaram.”

Em Agostinho não havia mais palavras para descrever tamanha queda do amigo ao ceder à curiosidade mórbida de Alípio senão relatar as armadilhas que acorrentaram o amigo a partir de então para continuamente assistir os jogos por muito tempo, até que chegou à conversão:  

“Contemplou o espetáculo, gritou, apaixonou-se, e foi contaminado de louco ardor, que o estimulava a voltar, não só com os que o haviam levado, mas à sua frente, e arrastando a outros. Mas tu te dignaste, Senhor, livrá-lo deste estado com mão forte e misericordiosa, ensinando-o a não confiar em si, mas em ti, embora isto acontecesse muito tempo depois.”

Este exemplo claro, de séculos passados, é bem atual. Porque a natureza humana inclinada ao pecado continua a mesma. Somos uma Sociedade do Espetáculo conforme lembra o filósofo alemão Christoph Türcke, que traçou em sua obra Sociedade Excitada uma linha de raciocínio para apontar a sociedade hodierna como a “Sociedade  da Sensação”, alimentada pela “tendência de espetacularização”, reforçada pelo que se veicula na mídia,  principalmente as tragédias.

“As sensações estão a ponto de se tornar as marcas de orientação e as batidas do puso da vida social como um todo.” (Türcke, 2010, p.14)

Mas este fato não é novo, ao se restringe a constatação atual do filósofo moderno, nem do antigo Agostinho, mas remonta aos tempos do Jardim do Éden. Isso mesmo.

Eva ouviu do Senhor Deus para não comer do fruto da árvore do bem do e do mal.

A astuta serpente porém resolveu então atrair a Eva alimentando-lhe a conpuscência dos olhos:

“Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos, Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus,  sabendo o bem e o mal.”  Gênesis 3:1-6

A partir de então parece que se tornou mais importante ver que ouvir. Dizem até que “uma imagem vale mais do que mil palavras.”

No entanto afirmo que a Palavra de Deus vale muito mais do mil imagens.   

Eva não deu crédito à Palavra, a orientação de Deus e assim se deixou levar pelo que viu:

“E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.” Gênesis 3:6-8

O segredo do resistir à tentação, acredito, está em agir como Alípio antes de ceder à tentação: fazer um pacto com o olhar, a exemplo de Jó:

“Fiz aliança com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?”  Jó 2.17.

Ou como o Salmista Davi, ele mesmo que sofreu uma terrível experiência de queda moral por conta de um simples olhar a partir da sacada do palácio real (2 Samuel 11.1-5):

"Não porei coisa má diante dos meus olhos. Odeio a obra daqueles que se desviam; não se me pegará a mim." Salmo 101.3.

Dando ouvidos à palavra do Senhor. Priorizando o ouvir a Deus ao invés de olhar as vitrines do mundo sedutor.


Referências Bibliográficas:

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. 10ª edição, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1990.

TÜRCKE, Cristoph. Sociedade excitada: filosofia da sensação. Tradução Antonio Zuin e outros. 1a edição. São Paulo: Editora Unicamp, 2010.

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Lições 4.o Trimestre 2013

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Conselhos para a vida

Lição 1 - O Valor dos Bons Conselhos
Lição 2 - Advertências Contra o Adultério
Lição 3 - Trabalho e Prosperidade
Lição 4 - Lidando de Forma Correta com o Dinheiro
Lição 5 - O Cuidado com Aquilo que Falamos
Lição 6 - O Exemplo Pessoal na Educação dos Filhos
Lição 7 - Contrapondo a Arrogância Com a Humildade
Lição 8 - A Mulher Virtuosa
Lição 9 - O Tempo para Todas as Coisas
Lição 10 - Cumprindo as Obrigações Diante de Deus
Lição 11 - A Ilusória Prosperidade dos Ímpios
Lição 12 - Lança o teu Pão Sobre as Águas
Lição 13 - Tema a Deus em todo o Tempo

Comentarista:

José Gonçalves - Pastor, Professor de Teologia, Escritor e Vice-presidente da Comissão deApologética da CGADB; Comentarista das revistas de Escola Dominical da CPAD.

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